Wednesday, October 26, 2011

O UMBRAL LUMIOSO



Luminoso, adj. Que tem luz própria; brilhante; resplandecente; fig. evidente; claro; perspicaz. (Lat. luminosu)
Lumioso
, adj. (pop.). O m. q. luminoso.
(Dicionário de Português, Porto Editora, 4ª edição, já muito velha e rasgada)

A palavra introduzida não foi encontrada. Por favor corrija ou escolha uma sugestão.
(Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, online)


lumioso
lu.mi.o.so
adj (lat luminosu) ant Luminoso.
(Dicionário Online, Michaelis - UOL)

Conheço alguns críticos, colecionistas, especialistas, comentadores, divulgadores, (que sei eu, que sabemos nós?) de banda desenhada que nem depois de estarem à mesa de conversa com os autores conseguem evitar erros e apreciações fáceis de repetir, e que seriam também fáceis de corrigir, tal a ânsia em dizerem o que pensam que pensam e o que pensam que sabem, quase sempre dentro dum previsível molde de senso comum.
No que respeita a Fernando Relvas autor (o outro lado do Urso), alguns têm sido apanhados nas malhas do Umbral Lumioso.

Princípio de história menor, morta à nascença pelo fim da minha colaboração com o jornal Se7e (ver post anterior), hesitante tentativa de mudança de registo, O Umbral Lumioso estava destinado a cair no esquecimento, apesar de eu lhe ter dado nova forma, mais consistente, tanto no desenho como na história, mais de uma década depois (ver label Guncina at the Stake). Esta segunda versão contempla apenas a perseguição que dois primos movem ao estrangeiro que desonrou uma prima comum, pondo em risco a herança de um deles (título em português Pela Honra da Nossa Prima), destinava-se a ser um curto filme de animação, e não toca no lado místico da história original.

Como ia dizendo a propósito das malhas do umbral, sobretudo lumioso, já por várias vezes corrigi a irritante mania dos latinistas em classificarem o umbral de luminoso. Já lhes passou pela cabeça que eu tenha escolhido a palavra lumioso para dar ao título um cunho mais arcaico e popular (estão a ver o monge franciscano num dos últimos desenhos publicados, abrindo os braços como um corvo marinho, em exaltada pregação, é ele o homem do umbral lumioso)?
Pensarão todos eles que o autor é apenas disléxico, que quis fazer uma homenagem a uma conhecida série de banda desenhada (alguém se lembrou desta, tanto é certo e confirmado), ou será que alguém um dia se enganou, ou pensou que o autor se tivesse enganado, e o erro foi copiado uma e outra vez?
Como explicar então que eu já o tenha corrigido mais do que uma vez e ele volte de novo à superfície, qual bóia numa piscina de banhistas? Ou será esta uma forma de o Umbral, manipulando mentes incautas, regressar à sua forma Lumiosa, recusando-se a cair no esquecimento (Ui!)?

Vem isto agora a propósito do AmadoraBD e do texto sobre mim, escrito por Pedro Mota, para o catálogo do festival. Sempre me pareceu estranho que se escreva sobre alguém que está perto e acessível, sem primeiro o consultar, sondar, espiar ou mandar investigar. Mas já tem acontecido, e até me deixou uma vez na caricata situação de me sentir morto há vários séculos e interpretado como se interpretam as estátuas em cima de que cagam os pássaros.
O texto é simpático, como são normalmente os textos assim feitos sobre o meu trabalho, e inteligente (contudo também existem exemplos de antipatias de qualidade), mas a páginas meias ele lá está, o latinisticamente correto Umbral Luminoso! Mais um incauto caído nas malhas do Umbral, pensei eu com desgosto! Se ele tivesse falado comigo, eu tê-lo-ia avisado: Ó Pedro, cuidado com o Umbral!
Tirando isso, só tenho um reparo a fazer. Não foi o álbum que deu cabo da banda desenhada em Portugal. Álbuns nunca seriam demais e o Relvas tentou por várias vezes publicá-los sem sucesso, antes dessa fase. Pelo contrário, houve poucos álbuns.

O que deu cabo da banda desenhada em Portugal foi uma sociedade de compadrios e fidelidades de características rurais, de doutores-e-engenheiros, de falsos otimismos e de imitações de prosperidade, de élites paradas. Deu cabo disso e de muitas outras coisas, e persiste, e está para ficar, cada vez mais de calhau e caliça.

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